sexta-feira, 23 de abril de 2021

Chegar ao 1.º ano a saber ler e somar garante sucesso escolar?

Estudo comparado do Conselho Nacional de educação refere efeitos registados nos alunos do 4º ano a literacia, matemática e ciência. Mas há uma diferença entre perceber os mecanismos ou impor a aprendizagem, avisam os especialistas.

Aparentemente, esta é a fórmula do sucesso aos 9 anos. E é uma longa lista de capacidades que devem ser adquiridas nos primeiros anos de vida: as crianças que chegam à primária já a reconhecerem a maioria das letras do alfabeto e a escrevê-las, a ler algumas palavras e frases (até a ler uma história) e que também saibam contar sozinhos, reconhecer números e escrevê-los e a saberem fazer substrações e somas simples terão "maior probabilidade de terem bons desempenhos em leitura, matemática e ciências no 4º ano de escolaridade". Será?

Esta é uma das conclusões do relatório Desempenho e Equidade, do Conselho Nacional de Educação (CNE) e que faz a análise comparadas dos estudos internacionais TIMMS e PIRLS.
Segundo o documento, estas atividades são adquiridas naquilo que o CNE chama de primeira infância e tanto no pré-escolar, como nas atividades promovidas pelos pais. Quanto mais "prolongada" foi a frequência desses programas de educação e cuidados para a primeira infância, "mais elevada" é a pontuação média registada por esses alunos na aquisição de competências no final do 1º ciclo.
Para José Morgado, "é importante que os miúdos tenham experiências neste universo no seu desenvolvimento até aos 6 anos, com intencionalidade, quer em casa quer nas instituições (como forma de atenuar menores níveis de eficácia da parentalidade), mas não transformar isso num ensino formal da leitura e da matemática no jardim de infância." Deve haver espaço à curiosidade, em que cada criança tem o seu ritmo, mas não deve ser impositivo, explica (...) o professor do Departamento de Psicologia da Educação do ISPA - Instituto Universitário.

É, resume o especialista em psicologia da educação, "o trabalho de aproximação ao mundo das letras e dos números — nao para ensinar leitura e matemática — mas para criar uma estrutura onde isso possa assentar. Isto é completamente diferente de dizer que o que eles aprendem no 1º ano é um trabalho que deveríamos começar a fazer a partir dos 5 anos no pré-escolar." O que de deve é estimular a criatividade e não impor-lhes uma obrigação.
Neste ponto, o diretor do grupo que detém os 55 centros educativos João de Deus em todo o país, está de acordo: nada na introdução da leitura (ou até dos números) deve ser imposto. António Ponces de Carvalho recorda que neste grupo de escolas que iniciou o seu trabalho há mais de um século com o seu bisavô, João de Deus, as crianças tinham o nome cosido no bibe. "Não era apenas para serem chamadas pelo seu nome, era para começarem a aprender que aqueles símbolos ali representavam algo."
José Morgado também sugere esse jogo: que mesmo quando vai na rua e se pergunta a uma criança por um símbolo como o da cadeia de fast-food MacDonald's, se vá estimulando para que ela identifique o símbolo. é a leitura logográfica. Ele conhece a forma e consegue lê-la, tal como reconhece a semelhança entre letras do seu nome e outras. "Quando vir o nome, identifica-o. No jardim de infância, tem lá a escovinha com o nome" e vai acostumando-se. "Não é de mecanismos de leitura no sentido da consciência fonológica, da articulação, da estrutura da palavra", descreve o professor do ISPA.

Jogos para aprender a lógica das letras e das somas
É aqui que o seu ponto de vista sobre que aprendizagem devem as crianças levar para o 1º ciclo diverge de António Ponces de Carvalho, que defende a existência de um método (a Cartilha João de Deus, desenvolvida pelo seu bisavô): "É importante que as crianças sejam capazes de ler histórias. Não vamos estar à espera que uma criança de 6 anos leia Os Lusíadas, mas pegam num livro e vão inventando, não estão a traduzir o fonema, mas compreendem a função da história, compreendem qual a sequência no português, como se lê", diz Ponces de Carvalho.

Aos 3 anos, as crianças do João De Deus "têm atividades em que a brincar vão compreendendo para que serve a leitura, porque é que aqueles símbolos ali estão." Para aquisição de competências matemáticas, também fazem jogos: "Aos 4 anos, a educadora toca os ferrinhos ou uma pandeireta. A criança tem à sua frente palhinhas ou caricas, ouve três pancacas e apanha três palhinhas na mão esquerda, depois a educadora toca duas vezes e põe duas na mão direita." Quando a educadora pergunta quantas palhinhas tem, "a criança pode não ter consciência que está a somar, não está a aprender curricularmente a soma, mas no cérebro está a aprender o cálculo para fazer a operação de soma", descreve António Ponces de Carvalho.

Aos 5, começa a aprendizagem da cartilha maternal, em que as lições e a aprendizagem são feitas de modo individual e em que em vez de reconhecer as letras, é incentivada a reconhecer os sons. É o que Ponces de Carvalho descreve como "a consciência fonológica". E "ao final de 17 lições a criança lê uma história que começa com a frase 'Ó Pedro, que é do livro da capa verde?".
De todas as atividades, é na leitura que esse "efeito [dos bons desempenhos no 4º ano] se manifesta com maior magnitude", refere o relatório do CNE. "A pontuação média de um aluno cujos pais desenvolveram frequentemente atividades relacionadas com a leitura, tais como contar histórias, ouvir canções, ou conhecer letras, é significativamente superior à pontuação de um aluno cujos pais não realizaram este tipo de atividades", lê-se no documento.

Influência do pré-escolar para atenuar desigualdades
O problema, na opinião de José Morgado, é que tal como numa corrida de Fórmula 1, nem todas as crianças conseguem chegar à pole position, ou no primeiro lugar, ao 1.º ciclo. A qualidade das equipas em que correm (leia-se a maior ou menor capacidade e predisposição dos pais para fazerem esse acompanhamento) tem influência nisso. E nesse campo, a ida para o pré-escolar "ajuda a minimizar as experiências familiares menos ricas e promove um maior nivelamento na grelha de partida".
"Faz toda a diferença quando as crianças têm uma educação pré-escolar de qualidade e no 1.º ciclo", concorda António Ponces de Carvalho. "É determinante."

O relatório do CNE refere que, no caso nacional, "a frequência de três ou mais anos representa um aumento significativo no desempenho em leitura para os alunos com "poucos ou alguns recursos", mas não tem um resultado estatisticamente significativo para o grupo com "muitos recursos". Este efeito é, aliás, "mais relevante para os alunos irlandeses, polacos e portugueses com menos recursos" e é quase indiferente o background dos estudantes noruegueses, finlandeses ou holandeses.


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